sábado, 8 de setembro de 2012

Solaris - Parte I : O Portal



            Os sapatos eram pretos e o salto não era alto. Calça social e uma blusa branca muito discreta. Nada de brincos grandes e um casaco escuro bem quente, era tudo que a ocasião pedia. Um dia frio, pessoas com os olhos cheios de água e uma saudade inexplicável que fazia com que o peito de cada um explodisse a cada batida do ponteiro do relógio. Inverno de 2011 e o pulsar de muitos corações. Aquele foi o primeiro velório para o qual eu fui convidada – com certeza o convite mais inesquecível. O pai da minha melhor amiga havia falecido na tarde do dia anterior e ela só conseguiu falar comigo no outro dia pela manhã. Me arrumei imediatamente após o telefonema, embarquei no carro sem nem ao menos pensar no que dizer quando chegasse... “Meus pêsames!” Não seria o suficiente. O desespero dela no celular era enorme e aquilo mexeu muito comigo e com o meu estado emocional. Eu realmente seria forte o bastante para suportar uma situação como aquela? Era realmente muito difícil suportar toda aquela adrenalina que circulava em minhas artérias!
            Ao sair do portão de casa até a frente da capela onde estava o corpo, foram trinta e cinco longos e dolorosos minutos de um silêncio exaustivo. Eu nem conhecia ele, mas a forma como ela relatou todo o acontecimento tinha me transtornado de tal maneira que eu pude ver o acidente de carro que ele tinha sofrido. Chegamos na esquina do local e meu coração disparou. Não tinham vagas para estacionar naquela rua, então meu pai pediu que eu descesse ali mesmo na esquina. Eu tinha que descer, mas não queria deixar meu pai voltar sozinho pra casa. Ele era meu ponto de equilíbrio e eu não podia deixá-lo partir, mas era o único jeito. E com o coração apertado, na tentativa de conter as lágrimas, lancei um terno abraço de despedida.
            Desci do carro e caminhei na direção da capela, eram tristes e desanimadores aqueles poucos passos. Ouvi o motor do carro arrancando, olhei para trás e meu pai já tinha partido; eu estava sozinha e tinha que consolar uma amiga que recém tinha perdido o pai... Mas no momento da virada em que meus olhos foram passando lentamente sobre as casas da rua me deparei com um estranho, um rapaz, que falava comigo. Seu olhar era fixo ao meu. Eu estava de certa forma assustada, mas não com medo. No começo eu não entendia uma só palavra daquele sujeito. Era simples: ou eu prestava atenção nas palavras ou nele, e o que mais me interessava no momento era sua aparência física estranhamente encantadora.
            Ele media cerca de um metro e oitenta e cinco, era loiro de cabelos enrolados – parecia um anjo, mas com toda a certeza do universo não era um. Fui olhando seu rosto e guardando cada detalhe. Ele tinha uma beleza indescritível. Desci o olhar e percebi que seus olhos eram azuis, mais azuis que o céu de primavera, lábios rosados e um belo porte. Olhei para os pés daquele rapaz de mais ou menos 21 anos, eles estavam descalços. Olhei para sua roupa e apesar do inverno rigoroso daquele ano ele usava apenas uma calça feita de um tecido leve e uma camiseta... Mais nada! Aquela parecia uma história surreal.
           
            - Olá!
            - Desculpa, mas eu estou atrasada...
            - Não vá... Você precisa vir comigo. É muito mais importante...
            - E por que eu deveria?
            - Por que você está curiosa para saber aonde eu vou te levar.
            - Quem disse isso?
            - Seus olhos...

            Meus olhos! Ele era maluco isso sim. Aquele sujeito não me deixava passar de maneira nenhuma... Eu ia pra um lado e ele também. Eu ia pro outro e ele... Resolvi então escutar aquela insana criatura. Afinal, era a única maneira.
           
            - Tá bom, vamos fazer um acordo. Pode ser?
            - É claro...
            - Eu vou te dar dois minutos pra me explicar o que tu quer que eu faça e pra onde vai me levar.
            - Está bem. Eu sou um Príncipe Lunar da Terra Norte, conhecida como Solaris, e ao entrar no seu planeta usando o portal mediador acabei ficando preso nessa região por causa da magnitude atmosférica que paira por aqui. Creio que seja por causa da imensa nuvem de sentimentos negativos e melancólicos vindos dali – ele apontou diretamente para a capela São Celestino onde estava acontecendo o velório – por isso não consigo voltar... Eu preciso de um humano específico, nesse caso você, que me acompanhe até o portal e abra-o para mim usando sua força interna que fará com que o portal se recarregue e se abra novamente. Esse é o único jeito. Apenas alguns humanos possuem uma grande carga eletricamente magnetizada que faz o portal recarregar as energias e me transportar de volta para o meu mundo... Só assim eu poderei entregar o raio de luz solar para a Rainha Anna. A luz do sol de vocês é o que mantém nosso mundo aceso, vivo e em completa harmonia. Ah! Antes que você ache que eu sou maluco, lá no meu mundo não temos um inverno tão frio assim...
            - Tá legal “Senhor Príncipe Lunar”, tá de brincadeira comigo?
            - É claro que não!
            - E por que eu? Por que não outra pessoa? Sabia que no mundo há cerca de 7,6 bilhões de habitantes?
            - É claro que eu sabia! Mas você é umas das poucas pessoas capazes de abrir o portal...
            - Portal? Tá bom, vou fingir que acredito!

            Virei as costas e saí caminhando. Não sabia mais o que fazer. Eu estava arrasada por causa da minha amiga e para ajudar ainda me aparece um doido pra me fazer perder tempo.

            - Por favor... Eu preciso de ajuda!
           
            Ele realmente estava desesperado. Eu não podia deixá-lo de mãos atadas naquele estado... A curiosidade em mim era perturbadora, eu realmente queria saber se era verdade ou não. Então fiz algo que não devia. Voltei e fiquei cara a cara com ele.
           
            - É o seguinte. Quero que me diga o teu nome, se é verdade o que tu tá dizendo e quero também uma prova sobre isso. Ok?
            - Meu nome é Alex e se não confia em mim pode ir, mas aqui tá a prova de que o que eu lhe falo é extremamente verdade e de que meu reino é absolutamente real...

             Nesse momento o estranho começou a ter nome, e a prova de que Solaris era real estava em minhas mãos. Era uma espécie de cápsula de vidro que levava dentro um pequeno raio luminoso que brilhava intensamente. Agora eu tinha certeza de que Solaris existia, sem nem ao menos ter total compreensão do que estava acontecendo.  Aquele poderia ser mais um truque, mas resolvi confiar. Havia uma enorme certeza e uma grande esperança que vinha de dentro de mim e que me fazia enxergar veracidade nos olhos de Alex. A conversa seguiu por alguns poucos instantes. Olhei em direção da capela com o peito apertado e fui com o tal “Príncipe” em direção do portal.
            Eu não entendi... Mas ele estava me levando em direção ao cemitério ao lado da capela. Cemitérios me davam medo, ainda mais em um dia frio e escuro como aquele em que a cerração cobria o chão onde pisávamos. Ao respirar, uma fumaça saía por nossas narinas e o frio era congelante. Alex me falava sobre o portal e tentava me explicar alguma coisa sobre ele, mas as poucas palavras que saíram de seus lábios era que ele não sabia ao certo como ativar o portal, mas que de um jeito ou de outro a carga magnética extra que eu carregava me ajudaria a decifrar aquele enigma. Chegamos ao fim do cemitério e a parede da lateral esquerda estava sendo escondida por um tecido acinzentado, velho e sujo. Ele retirou o pano que cobria algo indefinido para mim até o momento.  Meu olhar se encheu de cores, o compasso do coração tinha voltado ao normal e os meus olhos não piscavam.  Era esplêndido aquele objeto que nenhum ser humano tinha enxergado na vida...

            - A cada três ciclos completos do sol, um Príncipe Lunar é mandado para uma região diferente do seu mundo com as coordenadas certas de tempo e espaço para capturar a luz do seu sol, que vai deixar meu mundo em equilíbrio até os próximos três ciclos completos do sol em que um outro Príncipe Lunar virá e levará a luz solar de vocês para nós. E assim sucessivamente – uma longa pausa estendeu-se enquanto ele olhava fixamente para o portal. Passei minha vida toda treinando e estudando para isso... Se eu falhar serei o pior Príncipe Lunar de toda a história de Solaris.

            De uma estranha maneira eu estava calma. Não tinha nenhuma ansiedade. O portal era composto por uma esfera bem grande fixada na parede. A esfera tinha um tipo de janela com a visão do outro lado, mas que não era visível por causa das nuvens que passavam na frente – o estranho é que essas nuvens estavam no lado de dentro – essa esfera possuía um tipo de ponteiro que apontava para o meu lado direito e que eu sabia que tinha que ser ajustado – não me pergunte como eu sabia, só sei que sabia! Abaixo daquela primeira esfera, três círculos azuis com um ponto branco luminoso no meio que seguiam uma ordem: mediano pequeno e grande. Logo abaixo um círculo preto e branco muito maior que o primeiro, mas que só aparecia metade – segundo Alex era porque a outra metade estava ligada ao centro do planeta – e mais um ponteiro que agora apontava para o lado esquerdo.
            Meus olhos se impressionaram com a luz extraordinária que saía da janela da primeira esfera, e como reflexo levei a mão até ela e ao tocar no centro, a luz se espalhou para o círculo médio, logo em seguida para o pequeno e antes que chegasse no último círculo retirei a mão, pois o pavor tinha tomado conta de mim.
                       
            - O que você está fazendo?Por que tirou a mão?
            - Porque eu tô com medo, não tá vendo?
            - Tá tudo bem. Não precisa ter medo... vai dar tudo certo! Confia em mim.
            - Tá bem...

            Retomei o que tinha começado... As esferas foram se acendendo uma a uma, cada qual em seu tempo – e de uma maneira bem rápida – as listras pretas e brancas da última esfera começaram a girar em sentidos opostos, e por instinto girei o ponteiro da primeira esfera, que apontava para a direita, dando uma volta completa na esfera de janela. No ponteiro da última esfera dei meia volta. Os dois ponteiros estavam alinhados. O portal estava se carregando novamente, eu só tinha que ficar com a mão parada ali mais um pouco. Foi aí que Alex me contou um segredo.

            - Quando isso acontece e os protetores da Terra, essas pessoas com a força para recarregar o portal, nos ajudam, eles têm o direito de vir conhecer a Terra de Solaris ou escolher qualquer lugar do planeta para que o portal os leve. A única regra é que não se pode voltar no tempo com esse portal. E aí? Você vem? Bom, eu preciso ir. Obrigado por me ajudar. Quem sabe eu te vejo na Terra Norte...

            Ele deu uma última risada bem curta. Colocou a mão no lugar onde estava a minha e disse assim – “Para a Terra Norte, Solaris!” – e agora? Eu deveria ir? Mas e a minha família? E a minha amiga? Eu não podia deixá-los. Mas era uma oportunidade única, nunca mais se repetiria. Eu poderia ir para qualquer outro lugar. Ou quem sabe conhecer Solaris e a Rainha Anna. Pensei uns poucos instantes. A voz do portal anunciou – “Dez segundos... nove... oito...” Eu já tinha decidido. Eu estava disposta a usar o portal. Coloquei a mão sobre a esfera.
            - Para Solaris... 


Continua...



            
           

2 comentários:

  1. Helena, desculpa usar o espaço aqui..

    já sabem quando vai ser a semana de apresentações?

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  2. Nos dias 22 e 24 de novembro Feitiço de Amiga.

    23 de novembro No Mundo Mágico do Faz de Conta.

    29 e 30 Seis Personagens à Procura de Uma História.

    LEMBRANDO:
    Ingresso: Dois Quilo De Alimento não Perecível.
    Local: Salão de Atos Santa Julia Biliart do Colégio Maria Auxiliadora - Canoas/RS.

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