domingo, 9 de setembro de 2012

De Dimitri para Annea


Alemanha, 19 de agosto de 1917.
Minha querida...
            Hoje olho para trás e vejo o quanto foi importante estar do seu lado... Aqui, parece que o tempo não passa... A alegria é tão escassa quanto o alimento. Nos olhos de meus colegas de batalhas e armas vejo a agonia, a tristeza e a inquietude. Ainda hoje estávamos em plenos preparativos para a marcha, e por puro ódio dessa maldita guerra, meu melhor amigo, em um ato de pavor tomou uma decisão extremamente precipitada, ele não conseguiu aguentar. Logo cedo, lá por umas 3 da manhã, ele pediu-me uma corda, atestando que era para amarrar algo em uma carroça, eu não sabia que ele seria capaz de fazer uma coisa dessas, então a entreguei para ele. Depois de algumas horas fui mandado pelo general superior para procurar Richar, e qual foi minha reação ao ver que meu amigo, meu quase irmão, estava pendurado – não consigo lembrar-me bem exatamente onde o encontramos, mas foi um tremendo choque, não só para mim, mas para todo o grupo. Richar era um homem de coragem, de honra, ele tinha uma família! Hoje mesmo chegou uma carta de sua mulher. Ela acabara de dar a luz a uma linda menina, e conforme relatara na carta, a garotinha trazia os olhos azuis do pai. Chorei durante horas. Orei a Deus, pedi que ele me desse forças para suportar o final dessa luta, mas parecia-me que quanto mais eu gritava menos Ele me ouvia. Deus realmente não era bom. Seis horas da tarde eu ainda chorava sobre o corpo de meu amável companheiro, os outros simplesmente viraram as costas, enfureci-me com o exército, como eles conseguem ter um sangue tão frio? Será que eles não têm coração? Por um momento, seriamente, cheguei a pensar isso.  Tomado por um ódio profundo, retirei Richar de onde ele estava... Agora, minha amada, lembro-me, ele estava pendurado na única arvore que se achava perto de nosso acampamento. Subi de uma maneira tão rápida naquela árvore que nem parecia eu, e com a faca que escondia em minha bota, cortei a maldita corda que segurava meu amigo. O som de seu corpo batendo no chão foi terrível, doeu-me profundamente a alma, afinal, fui eu quem lhe dei aquela corda. E, como promessa, jurei a meu leal amigo que acabaria com a tristeza no olhar das pessoas, pois esse sempre foi seu sonho, uma pena que ele não pode realizá-lo, agora eu o adotei para mim. Peguei uma pá, e ali em baixo da árvore onde ele cometera suicídio, cavei seu túmulo. A cada pá de terra retirada, eu chorava mais, minhas lágrimas pingavam no chão, e em um momento de profundo desespero rasguei a camisa do uniforme, e como em um pedido de socorro gritei a Deus incessantemente... Mas ele não me ouviu. Então me enfureci naquele momento e numa mistura de choro e delírio, gritei mais forte, naquele instante Deus realmente me ouviu, o céu simplesmente desabou sobre minha cabeça, chovia, e como chovia. Nesse instante abracei meu amigo por uma última vez, retirei a corda de seu pescoço, peguei-o em meus braços e assim despedi-me, colocando-o em sua cova. O cobri com a terra e o coração apertado, minhas esperanças eram de que ele não tivesse morrido... Ajoelhado na frente do buraco permaneci durante cinco horas, a chuva continuou durante todo esse tempo, e as lágrimas a mesma coisa, caíam, pingavam, escorriam. Às vezes achava que estava molhado pela chuva, outras vezes achava que estava molhado pelas lágrimas que simplesmente fluíam de meus olhos.  Depois de mais um grito, mas agora não de ódio a Deus, mas sim de dor, e saudade de meu amigo, o general veio pessoalmente buscar-me. Recompus-me e segui, de cabeça erguida, estava determinado a cumprir minha promeça. Fui para minha barraca, deitei-me em minha cama de campanha e, sem perceber, cansado de tanto chorar, adormeci durante 40 minutos. Nesse tempo sonhei com rostos, eram tantos rostos. Pessoas as quais eu nem conhecia, mas ainda consigo ver em minha memória aquela família. Um homem com a aparência de quem tinha o poder – talvez um Czar – e sua linda esposa. Havia um garotinho – ele era o mais novo da família. Não posso deixar de falar nas filhas daquele homem, a mais nova possuía uma beleza extasiante, me lembrou muito você minha amada Annea, ela tinha mais três irmãs, umas mais bela que a outra, mas nada comparada a beleza da casula... Depois de ver o rosto de cada integrante dessa família, pude vê-los em uma sala escura... Lá foram assassinados. Acho que estou um pouco apavorado com o que aconteceu hoje. Meu maior sonho, Annea, era poder estar do seu lado, te abraçar, e mais uma vez poder sentir teu cheiro. Eu não quero mais ficar aqui... Queria poder desistir dessa luta... Foi estabelecida uma lei entre nós do exército que aquele que se tornar um desertor da guerra será assassinado... Desculpe cara Annea, mas não poderei voltar ao nosso lar tão cedo. Minha amada, minha cúmplice, minha amiga, por mais que a distância se aplique a nós não esqueças que eu sempre te amarei, e me perdoe se eu não for forte o bastante para sobreviver a essa batalha. Sinto, mas tenho que te falar toda a verdade, quero que sejas forte meu amor, a vida aqui é muito dura, farei de tudo para suportar a dor, mas se não morremos no campo, combatendo, morremos por hemorragia, ou doenças que não podem ser curadas, até mesmo sem fatos explicáveis. Rezo todas as noites para que você esteja bem. Peço e suplico a Deus, sempre, para que não invadam nossa casa e não a levem como refém, eu sei, é triste, mas essa é a verdade, e espero que você esteja ciente dela. Annea, como é triste ver-me longe de você! Mas sei que em breve estaremos juntos de novo. Peço que sejas paciente e me espere, saibas que a qualquer momento, eu posso entrar pela porta da frente, e quando isso acontecer voltaremos a ser felizes como éramos. Querida, Annea, a batalha é triste e difícil, mas o mais difícil e triste é acordar todas as manhãs e ver que não estás mais do meu lado. Sei que deve estar sendo complexo para você entender tudo isso, mas com o tempo, entenderás. Se puder responda-me.
            Amada minha... A única coisa que me faz viver,
É saber que um dia voltarei a estar ao teu lado!
Eternamente, teu amado Dimitri.

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