terça-feira, 18 de setembro de 2012

Poema - A dois


Tudo em comum
Muito incomum
O que fez de um
Muito mais que um
Pra viver a dois.

Envolvimento
Documento
Sacramento
Pra viver a dois
E pra ser os dois.

Um retrato colorido,
Preto e branco,
Sépia e multi cor
Pra se ter em dois
E pra crer nos dois.

Sofrimento
Esquecimento
Do passado a dois
Da história a dois
Tudo entre os dois
Evitando os dois
De viver a dois.

Muitas brigas
Más conversas
Desconversas
Pra entender os dois
Tudo entre os dois
E explicar aos dois
Que existe dois.

Pensamentos no passado
Que vivia os dois
E que fez dos dois
Novamente dois
Escolhendo os dois
Pra viver em dois
No presente a dois.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Cidade Porto Alegre



            Ela costuma andar por Porto Alegre. Só assistia filmes no mesmo cinema de calçada. Gosta do porto do sol e de ver as pessoas caminhando apressadamente. A garota de dezessete anos já tinha uma certa independência, um pouco de liberdade e a tal sonhada confiança dos pais. Ela gostava muito das fotografias que fazia durante as tantas tarde na praça da Matriz. Naquelas fotos ela tinha um registro da humanidade, do sorriso das pessoas, dos prédios, sem contar as milhares de fotos que tirava daquele teatro. Teatro São Pedro. Um grande amor que ela tinha...
            Numa tarde de primavera ela vestiu um vestido jeans azul tomara que caia, calçou um sapatilha neutra, separou o celular, a carteira e as chaves de casa, os colocou dentro de uma pequena bolsa tiracolo e dessa maneira saiu de casa sem consultar seus pais que estavam fora. Saiu porta a fora apenas deixando em cima da mesa um bilhete que dizia: “Fui a Porto Alegre, vou chegar em casa lá pelas 18h. Amo vocês.”
            Uma garota incrível. Incrivelmente doce. Incrivelmente inteligente. Incrivelmente adorável. Incrivelmente inabalável. Ela era encantadora. Apesar de todas essas qualidades ela era uma garota extremamente normal fisicamente. Os olhos era do castanho mais comum possível – herança genética de seu pai – o cabelo também castanho, com algumas mechas claras, era comprido e liso. Não tinha um corpo que chamasse atenção. Não era alta. Era fluente na língua da poesia, tendo um certo problema com as línguas estrangeiras.
            Já passava das três horas quando chegou na “Cidade Capital”. Sentia-se segura naquele solo. Desembarcou do trem, desceu as escadas e, então, chegou na rua. Respirou profundamente, apaixonadamente e seguiu caminhando até chegar em seu destino final.
            Como de costume sentou-se na escada da praça e ficou admirando o movimento. As pessoas caminhavam, umas mais rápidas que as outras. Ela amava a maneira como as coisas aconteciam. Achava mágico poder assistir à vida. Passado alguns minutos lembrou-se que não havia trazido sua maquina fotográfica, abriu a bolsa e foi ter certeza do fato. Felizmente ela nunca tirava aquela relíquia de perto. Fotografou mais uma vez o tão amado teatro. Uma leve brisa cruzou os ares. O vento jogou alguns fios de seu cabelo em seu rosto enquanto ela fechava suavemente os olhos. O sorriso mais lindo tomou conta de seu rosto como se ela estivesse apaixonada pelo vento que soprava os quatro cantos da cidade. Abriu os olhos e continuou fotografando aquele lugar.
            Depois de algum tempo ela levantou de onde estava sentada e caminhou até a entrada do teatro mais encantador que conhecia. Abriu a porta que a convidava a entrar e invadiu o local. Seus olhos brilhavam compulsivamente. Como tantas vezes já tinha feito observou cada detalhe daquele espaço mágico que a rodeava. Caminhou um pouco e parou para observar a miniatura do Teatro que havia ali dentro. Ela conhecia cada detalhe daquela arquitetura, mesmo assim gostava de admirar. Um dos seguranças do local se aproximou.

            - Posso ajudá-la?
           
            Um choque de olhares aconteceu.

            - Você é novo aqui, não?
            - Sou sim. Posso ajudá-la?
            - Como é seu nome?
            - Gustavo.
            - Me chamo Aline.
            - Posso ajudá-la?
            - Pelo jeito você gosta mesmo de ajudar! – um riso simples lhe tomou os lábios – não se preocupe, o pessoal já está acostumado comigo, eu venho seguido aqui.
            - Desculpe o incômodo. Se precisar de alguma coisa pode me chamar.
            - Preciso sim. Nós já nos conhecemos?
            - Creio que não.
            - Engraçado, tive a sensação de que a gente já se conhecia.
            - Talvez esteja me confundindo com alguém. Eu tenho um rosto comum.

            E realmente tinha mesmo. Tinha os traços do rosto igual ao de muitos rapazes. Ele usava um corte de cabelo tipicamente masculino, tinha cabelos pretos como a escuridão e uma altura de 1,88 no máximo, mas havia algo que o diferenciava, era a cor de seus olhos. Ela jamais havia visto um azul tão bonito em toda sua vida, nem mesmo os atores dos filme tinha aquela cor e aquele brilho nos olhos. Eles não se conheciam, mas ela sentia como se já tivesse o visto antes.

            - Se precisar de alguma coisa eu estou ali.

            Ele virou-se e caminhou até onde disse que estaria. “Cara estranho esse.” Esses foram seus pensamentos, mas no fundo o que ela queria mesmo era conhecê-lo. Rapidamente ela inventou uma história.

         - Na verdade eu preciso da sua ajuda. Eu sou escritora e estou fazendo um trabalho sobre este lugar. Pelo o que os seguranças me falaram o seu turno acaba em quinze minutos, será que poderíamos fazer uma entrevista?
            - O quê? Eu não entendi direito.
            - É apenas uma entrevista... eu vou esperar lá fora.
            - Não! Espera. É que...

            E ela saiu caminhando. Passou pela porta e ficou esperando. O seu maior medo era que ele não aparecesse. Vinte minutos se passaram e quando ela já estava preste a ir embora, ele apareceu na porta, agora vestido normalmente, procurando por ela.

            - Eu achei que você não viria...
            - Então, o que a senhorita precisa saber?
            - Esquece a parte do “senhorita”, somos pessoas normais agora.
            - Acho que não entendi.
            - Quantos anos você tem?
            - Vinte e um.
            - E você ficaria bravo se eu disse que eu menti, que eu não sou escritora coisa nenhuma, que eu tenho apenas dezessete anos e que eu só falei aquilo porque eu queria te conhecer?
            - Claro que não. – e um leve sorriso de surpresa surgiu em seu rosto.
            - Ai, que ótimo! Vai pra onde agora?
            - Pra casa.
            - Vai como?
            - De trem, e você?
            - Também...
            - Por que não vamos juntos?
            - Ótima ideia.

            Naquela tarde, Porto Alegre foi mais do que ela espera. Como ela dizia: as vezes o destino te empurra paras as coisas, você apenas tem que confiar. Ela sabia que o que tinha feito era loucura, mas mesmo assim arriscou, pois sabia que o seu coração jamais a enganaria.

domingo, 16 de setembro de 2012

Poema Sem Verbos - Sem e Cem

Sem verbos, nem opções
Cem verbos, mais opções

Sem dias sozinho,
Cem dias com alguém

Sem muros, menos barreiras
Cem muros, mais divisões

Sem vida, morte.
Cem vidas, sorte?

Sem presos, justiça
Cem presos, justiça

Sem amores, desamores
Cem amores, mais amores

Sem flores, menos cores
Cem flores, um jardim

Sem finais felizes, fim.
Cem finais felizes, sim!

sábado, 15 de setembro de 2012

Um Amor Feito de Mar.

            Mais uma vez me refugio em tuas águas, na esperança de encontrar conforto para meu pranto. O sal das minhas lágrimas agora é o que te faz mais salgado, e a tristeza de meu peito é o que te faz mais raivoso. Mergulho nas tuas profundezas e deixo que o teu balanço me guie. Sob tuas ondas prendo a respiração para que vejas que sou somente tua. Não sinto medo, apenas confio. Confio, como sempre confiei. E mesmo vendo que esta distância nos separa vou o mais longe que posso para poder ver teus olhos e me encontrar, porque sei que essa calma que eu sinto vem do som que tu me permites escutar. Um som que pulsa, que explode, um som que me doma, me tranquiliza, e que me faz te amar cada vez mais.
            A areia da tua praia é a mais branca. E o teu sol, mesmo coberto de nuvens, mesmo no frio, mesmo nas chuvas, o que mais brilha. E é a tua luz que me faz enxergar com clareza o mundo lá fora. A areia fina, os pés descalços e o coração na mão, são tudo o que tenho quando estou ao teu lado. O pensamento é solto no ar. Nada mais me angustia. Ao olhar para trás vejo meus passos sumindo, vejo que você os recolhe com paixão e os guarda em teus bancos de areia.
            Deitada diante de ti vejo teu olhar se juntar ao meu. Numa mistura de êxtase e delírio adormeço sem fazer esforço enquanto ouço o som de tuas ondas quebrando a beira mar. E mais uma vez nossa canção vem em minha mente, toma conta de meu ser enquanto as lembranças de nosso passado e presente se misturam dentro de mim e, pouco a pouco, vão se transformando em sonhos de uma noite de verão.
            “Abra os olhos”, é o que ouço sua voz me dizer. A noite chegou. E você continuou aí todo esse tempo, cuidando de mim e me olhando. Eu preciso voltar para casa, mas as forças já se foram e você é o único que me torna mais forte.
            Me desfaço das roupas, e em meio a praia deserta e o vento gelado da noite, mergulho em tuas águas que fazem que meu corpo se arrepie por inteiro. Mais uma vez vejo que minhas lágrimas encostam em ti, e você, sem reclamar você as enxuga, de novo e de novo. Sinto que meu peito vai ficando mais leve e que a tua suavidade me acalma.
            Os cabelos molhados, o frio, o vento, e agora a chuva... Passo a passo vamos nos separando, mas mesmo assim sinto que preciso ficar e te olhar mais um pouco. Até ter certeza de que já estou forte o suficiente para encarar a realidade.
            Visto-me.
            Molhada e com frio, sento na areia que me acolhe com o mesmo carinho que teus abraços me envolvem. A chuva da meia noite é a mais fria de todo o verão. Hoje é nosso último dia juntos. Tudo o que eu queria era poder não dizer adeus... mas nós dois sabemos que isso é quase impossível!
            Tento de todas as maneiras deixar de olhar no teu horizonte onde o sol nasce, tento levantar e ir embora, mas algo em você me prende. Já que é impraticável levar-te junto a mim, retiro do bolso de meu casaco um frasco e na primeira onda que vem beijar meus pés encho o pequeno vidro com as tuas águas. Para que mesmo na distância possamos estar juntos.
            Eu prometo voltar...
           



Para Marlon de Almeida 
Autor de "Prosa do Mar".

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Mais Que Um Conto - Prelúdio

Mais Que Um Conto

Prelúdio

            Esse pode parecer apenas mais um conto, uma reunião de palavras que podem não lhe importar.
             Hoje, caro leitor, vejo quantos textos já escrevi, vejo que todos eles foram verdadeiros e que cada um tem seu significado particular em minha vida. Escrevo o que sinto e agora – mais do que nunca – divido esse sentimento com alguém. Nesse conto construo a experiência de contar parte de uma história criada por outro autor.
            A proposta surgiu de repente... Meu pai é quem me sugere temas para eu escrever e como já tinham se passado algumas semanas que eu não escrevia ele me lançou um desafio.
            Fazia bastante tempo que O Contador de Histórias havia escrito algo, um conto, uma história de um enorme fascínio... Um conto de amor!
            Caberia a mim continuá-lo, ou não. Eu decidiria se aquela história tão simples, mas tão perfeita, continuaria sendo como era. Lançou-se a mim uma escolha, e qual foi minha surpresa ao ver que a história estava ganhando uma continuação! Ou seria apenas uma releitura apresentada por outro ponto de vista?
            Não sabemos ao certo qual será o fim dessa história, mas estamos escrevendo juntos. Eu os capítulos pares e ele os ímpares.
            Começar uma história sem saber se terá um final, ou não, é complicado, mas começar a contar uma história que não se sabe o fim e que você só escreve os capítulos pares é mais complicado ainda. Só me sobrou agora ver no que isso vai dar.
            Dependemos um do outro, a minha história só estará completa se estiver junto à dele e a dele só será compreendida se estiver junto a minha – apesar de que até onde fomos elas podem ser lidas separadamente. Será que somos dependentes ou co-existentes?
            Não importa. Estamos juntos nessa, e é assim que vamos terminar.
             

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Mais Quem Um Conto - Capítulo I: Um Conto de Amor


MAIS QUE UM CONTO

CAPÍTULO I - UM CONTO DE AMOR
         Parecia apenas mais um dia comum. Desses que nada prometem, como tantos outros que já vivemos, sem maiores pretensões ou expectativas. Desses em que desperdiçamos o presente, deixando para depois o que jamais poderá ser resgatado.
         De fato quando o tédio já enraizado preparava-se para florescer, apresentando-se em um melancólico desabrochar, do qual uma única e perfeita flor de profunda depressão nasceria, você surgiu.
         Há muito tempo não alimentava nenhum tipo de sentimento em relação às pessoas que de alguma forma de mim se aproximaram. Já conhecia o ritual, sabia exatamente o que aconteceria, podia antecipar cada lance do nosso breve envolvimento, que ao final me traria ainda maior sofrimento.
Entretanto, quando você atravessou a porta pude sentir que algo maior estava para acontecer.


Sempre sonhei com o sucesso!
Ainda jovem, imaginava como seria percorrer o mundo, falar em diversos idiomas, ser reconhecido e amado por onde quer que passasse. Acreditava que a felicidade estaria associada ao reconhecimento e, portanto, mais do que tudo eu precisava “dar certo”.
Infelizmente a realidade me reservou outra sorte...

-        Em que posso ajudar?
-        Se precisar de algo, lhe aviso.
Oswaldo era dono do mais antigo “sebo” da cidade. Apaixonado por livros, possuía um acervo magnífico. Orgulhava-se de uma seção da loja, a qual denominara de “Invendáveis”. Livros raros que podiam ser apreciados, lidos, mas não comprados.
Eu estava na seção das ofertas. Uma grande mistura de um tudo. Alguns, certamente jamais seriam adquiridos por alguém, mas enfim continuavam ali, já perdidos em si pelo próprio tempo que os corroera. Quantos ensinamentos ultrapassados, quantas histórias perdidas por entre tantas, que assim como a minha, talvez a ninguém mais interessasse.
Notei que você percorria as seções sem um objetivo definido. Parecia estar com os pensamentos distantes e eventualmente folheava um ou outro exemplar sem maior comprometimento.

-        Você procura algo em específico? Era o Sr. Oswaldo.
-        Na verdade não.
-        Fique a vontade, se precisar de ajuda...
-        Eu chamo.

Oswaldo se retirou, e você, com o olhar que revelava poucas expectativas, prosseguiu impassível até chegar a minha seção.
Eu sentia algo que até então nunca sentira. Estava confiante, eufórico, aflito, angustiado... E à medida que você se aproximava a intensidade de minhas emoções convergiam para um inevitável colapso. Eu precisava me controlar, retomar a direção de mim mesmo. Alguns passos eram tudo o que nos separava. Mas apesar da pequena distância, a imensidão da incerteza se apresentava como um abismo intransponível, pois mesmo tão próximos, a possibilidade de não nos encontrarmos era a mais provável.
No dia em que nasci, meu pai, cheio de orgulho, tomou-me em suas mãos e após um longo silêncio, emocionado chorou.
Em seguida, falou de suas aspirações para comigo, o primogênito, disse o quanto representava na sua vida e o quanto certamente lhe faria feliz. Tinha convicção de meu brilhante futuro.
Os poucos amigos que compareceram para a minha “apresentação oficial”, entusiasmados pelas palavras e pelos drinks oferecidos por meu pai, aplaudiram euforicamente, cumprimentaram-no por mim e compartilharam de seus sonhos – eu estava predestinado a ser um sucesso.


Me perdoe, mas já vamos fechar.
Era o inconveniente do seu Oswaldo.
-        Tudo bem, eu volto outra hora.

Antes que eu pudesse esboçar qualquer reação capaz de interferir no que estava acontecendo, você afastou-se de mim sem nem ao menos ter me notado.
“Predestinado ao sucesso”, que grande porcaria!
Após tantos anos, quando penso que minha sorte vai mudar, vejo tudo continuar na mesmice. “Obrigado seu Oswaldo.”

A porta fechou-se. Vi você sumir por entre outras tantas apressadas pessoas que pela rua circulavam. Talvez você voltasse, talvez não. Restava-me fazer o que sempre fiz, esperar.

Seu Oswaldo apagou as luzes, nos despedimos de mais um dia como tantos outros.
Lembro-me de tantas e tantas vezes que saímos juntos.
Meu pai me apresentou para muitas pessoas importantes. Falava do meu potencial com uma empolgação comovente. Na verdade eu não entendia bem toda aquela conversa, mas me divertia muito naquele carrossel que mesmo não saindo do lugar era capaz de me levar tão longe.
Certa vez, um homem disse a meu pai que eu jamais faria sucesso, que ele tirasse essa idéia da cabeça, que partisse para outra...
Sem dizer uma palavra, meu pai levantou da cadeira, pegou-me à mão, dirigiu-se até a porta e, antes de fechá-la por detrás de si, voltou-se, olhou para o homem, para mim, novamente para o homem e disse “quando ele for famoso você vai lamentar esse dia”.
Nunca mais vi aquele homem.



-        Bom dia Sr. Oswaldo.
Como todas as manhãs, chegou pontualmente às 8h. Acendeu as luzes pendurou seu casaco, seu chapéu e um guarda-chuva antigo que sempre carregava consigo onde quer que fosse. Ajeitou alguns papéis, guardou-os em uma pasta, rasgou outros tantos, depositou-os na lixeira de madeira que há muitos anos conquistara seu espaço embaixo do balcão, à direita da máquina registradora, adquirida por seu pai na ocasião da inauguração da loja, limpou os pesados óculos para então, e finalmente, degustar o jornal como sempre fazia.
Enfim mais um dia que prometia ser como outro qualquer.



1966.
Esse foi o ano em que nasci.
Era um dia...

-        Bom dia.
-      Olá! Como vai? Por favor, fique a vontade. Prometo-lhe que não fecharemos até que você encontre algo que deseja.

         Ao ouvir sua voz, paralisei. Fiquei confuso, sem saber exatamente o que fazer. Percebi que ela se dirigia até a minha seção – aquela das ofertas. Estava mais encantadora do que nunca – que bobagem, por que ela haveria de me notar? Eu, um fracassado, condenado a viver nessa maldita loja, e o que é pior, na humilhante seção das ofertas.
         Foi nesse momento, em que o pessimismo deteriorava ainda mais a minha condição existencial, que ela parou diante de mim. Seus olhos agora estavam úmidos, apresentavam um brilho intenso, vivo, apaixonante... Ela sorriu. Será que sorriu pra mim?
         Sem dizer nenhuma palavra tomou-me em suas mãos, e após alguns instantes de admiração mútua, apertou-me contra seu peito e depois, suavemente, me beijou e disse “finalmente nos encontramos”.







quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Mais Que Um Conto - Capítulo II: Além de Um Conto de Amor


Mais Quem Um Conto
Cápítulo II - Além de Um Conto de Amor

         Deitada em minha cama ouço um barulho. É o relógio que mais uma vez me acorda pontualmente às 6 horas e alguns minutos. Há muito tempo moro em Porto Alegre, mas já se passaram quatro anos desde a última vez que entrei em meu apartamento. Meu nome não importa e minha idade é irrelevante.
        
         Trabalho em uma revista como escritora no turno da manhã e durante a tarde eu costumo visitar alguns lugares, sou apaixonada por livros o que me leva a passar quase todo tempo livre em livrarias, bibliotecas e nos maravilhosos sebos. Escrevo sobre a vida no Brasil, por isso estou sempre viajando. Não digo que é ruim, mas também não é a melhor coisa do mundo, afinal isso só atrapalha o meu sonho de ter filhos e construir uma família... Como escritora meu dever é pesquisar e escrever. Há muitos anos procuro algo que perdi por causa de um desvio da minha vida. Estar afastada dele é muito difícil, mas eu nunca deixei de procurá-lo.


         Nos conhecemos no dia do meu 14° aniversário. Ele foi o melhor presente que eu poderia receber. Meu pai nos apresentou e me apaixonei no instante em que o vi. Passávamos horas e horas abraçados. Lembro-me das vezes que saímos juntos. Quando completei 16 anos ele me fez chorar pela primeira vez. Nós estávamos de mudança, meus pais haviam se divorciado. Arrumei minhas coisas e fui embora com minha mãe, mas ele ficou para trás...


         Depois de quatro anos afastada de minha cidade, foi muito bom acordar em Porto Alegre. Era um dia ameno e um casaco leve seria suficiente para me proteger da suave brisa que soprava pelas ruas.

         Nada melhor do que o chocolate quente do Bar da Esquina para começar um bom dia. Seu Chico – o dono do bar – era um tanto quanto esquisito, mas fazia o melhor chocolate quente da cidade. Olhei para a rua através da janela e algumas lembranças fizeram-se presente em meu pensamento. Ah! Que saudade que eu estava dessa cidade... Naquele breve instante o telefone tocou, era meu chefe que me trazia uma boa notícia: Eu teria um dia de folga!  Desliguei o telefone e uma dúvida surgiu: E agora, o que fazer? A decisão foi tomada: Hoje é um dia de comemoração. É minha volta a Porto Alegre, então nada melhor do que compras – acho que estou precisando renovar o guarda-roupa!

         Fim do dia – e eu estava exausta. Voltava pra casa por uma rua diferente, não é meu costume fazer isso, mas sem perceber mudei de caminho. O relógio marcava 18h e 32min no exato momento em que fixei meus olhos em um antigo sebo. Era muito estranho... Como eu nunca o tinha visto? Não resisti à tentação e acabei entrando.
         Coloquei as sacolas no chão. Tirei o casaco o deixei em cima do balcão da loja. Olhei de um lado para o outro e não vi ninguém. Comecei olhando alguns volumes que estavam no setor de lançamentos.

         - Em que posso ajudar?

         - Se precisar de algo, lhe aviso.

         Eu percorria as seções sem um objetivo definido. Meus pensamentos eram todos voltados para ele, o que me fazia eventualmente folhear um ou outro exemplar sem maior compromisso.

         - Você procura algo em específico?

         - Na verdade não.

         No começo, logo que iniciei a minha busca, eu simplesmente entrava na loja e dizia o nome do livro ao vendedor, na esperança de que ele o conhecesse e me entregasse o que procurava. Com o tempo percebi que não bastava fazer isso, mas que era preciso olhar prateleira por prateleira, caixa por caixa, livro por livro. Era preciso ter certeza que ele não estava lá. Só depois de vasculhar toda a loja eu perguntaria por ele. Por isso, não dizer o que procurava me deixava mais à vontade para por em prática meu particular método de busca.
         A decepção é grande quando você procura por algo e não encontra.
         Em todos os sebos que entrei deixei meu telefone, falei que independente do preço eu pagaria, que estava disposta a qualquer coisa... Mas até hoje nunca recebi nenhuma resposta que fosse.
  
         - Fique a vontade, se precisar de ajuda...

         - Eu chamo.

Ele se retirou, e eu, com o olhar que revelava poucas expectativas, prossegui impassível até chegar à seção mais simples, a das ofertas.  Uma pequena distância me separava daquele departamento, senti algo diferente, mas a possibilidade de não encontrá-lo era a mais provável. O dono da loja me interrompeu mais uma vez...



- Me perdoe, mas já vamos fechar.

- Tudo bem, eu volto outra hora.
Mais uma manhã em que o relógio desperta em seu mesmo horário rotineiro. Tomei apenas uma xícara de café com leite, me arrumei e fui para o trabalho. Ao chegar na parada de ônibus descobri que ele havia passado a cinco minutos e o próximo só chegaria dali a quarenta. Resolvi pegar um táxi na avenida ao lado, mas para isso era preciso passar em frente aquele sebo até ontem desconhecido. Eu já tinha perdido o ônibus, uns minutos a mais ou a menos não me faria diferença e também eu iria de táxi e isso seria bem mais rápido.
Da esquina pude ver que a loja estava recém sendo aberta. Caminhei mais um pouco até que entrei no sebo. A primeira coisa que vi foi o mesmo homem do dia anterior sentado saboreando um bom jornal. Enfim, mais um dia e com ele mais uma busca que poderia não dar certo.

- Bom dia.

         - Olá! Como vai? Por favor, fique a vontade. Prometo-lhe que não fecharemos até que você encontre algo que deseja.

             Naquele instante me dirigi à seção das ofertas. Minha esperança de encontrar o que procurava já se esgotara há muito tempo – essa seria a última vez que eu entraria em um sebo.
             Então, parada em frente aos livros da promoção sentia que meus olhos agora estavam úmidos e que um sorriso aberto, repleto de saudade e emoção tomou conta de meus lábios.
         Sem dizer nenhuma palavra, peguei-o em minhas mãos, e após alguns instantes de admiração mútua, com um abraço o envolvi, suavemente o beijei e disse “finalmente nos encontramos”.