sábado, 1 de setembro de 2012

Escrito Por Nós Dois - Parte III: O Encontro


             As mudanças estavam cada vez mais bruscas e os dias passavam voando. As noites eram curtas e às vezes eu não conseguia dormir. Era como uma tempestade, as ondas batiam no meu barco e faziam com que ele quase afundasse. A vontade de buscar refúgio em outro lugar era imensa. O pulsar de meu peito era constante, mas de certa forma eu sentia que meu coração tinha parado de bater a muito tempo. O medo me perseguia e a insegurança era incontrolável. Eu realmente tinha muitas dúvidas sobre o futuro, e com certeza isso me assustava muito. Minha vida estava mudando, e meus sentimentos também.
            Eu já não ligava mais pra escola, nem pra vida. Já não me maquiava mais e isso fazia com que as pessoas não me notassem como notavam antes – de certa forma isso foi bom, eu acho! – as olheiras eras perceptíveis ao estremo, isso fez com que o setor de psicologia do colégio me chamasse para conversar. Foram várias as teorias deles, perguntaram com quem eu estava andando, quem eram essas pessoas, onde eles moravam, perguntaram dos meus pais e como estava minha família. Eu realmente odiava toda aquela gente.
            Terça-feira, 23 de novembro. A tempestade já tinha passado, e os dias continuavam correndo. Eu tinha abandonado as maquiagens, os esmaltes, os livros, as músicas e nada me fazia voltar para eles... Nada mais tinha sentido pra mim. Na sala de aula eu ficava quieta, pedi para sentar mais no fundo, meu professor deixou! Minhas notas decaíram, e meus amigos... Bem, eu mesma tinha me afastado de todos eles. Eu estava completamente sozinha. Não entregava mais trabalhos, não fazia os temas, não escutava ninguém. Deixava os livros em casa e usava apenas um caderno para poder rabiscar algumas poucas palavras... Eu tinha perdido a vontade de escrever, o que segundo meu pai era um grande prejuízo para a sociedade e pra mim... Afinal, ele sabia que essa era uma das únicas coisas que eu fazia e que me deixava contente.
            De certa forma o sangue borbulhava em minhas veias. O descompasso do coração era grande e o calor só aumentava. Eu estava calada, me preparando psicologicamente para o que eu ia fazer... Já era de costume descer de mochila por causa da educação física, nós tirávamos a calça jeans e colocávamos a calça adequada para o jogo. Mas naquele dia eu não desci só com a calça dentro da mochila, guardei os poucos livros e cadernos que eu levava, e à noite eu tinha separado algum dinheiro e uma outra roupa – afinal, não dava pra ficar de uniforme - e todas as maquiagens que eu tinha no quarto. A pressão era grande e eu já não suportava mais. Eu queria desistir, mas não conseguia. Eu queria conversar com meus pais, mas quem disse que eles me ouviam... A vontade de fugir foi ficando cada vez maior e cada vez mais intensa... Procurei ajuda, mas não encontrei. Eu precisava espairecer um pouco!
            Era justo que eu fugisse. Eu tinha meus motivos. Eu só queria ser livre. E assim o fiz. Peguei minhas coisas nesse dia e fugi. E não foi nada fácil. Conhecer todas as pessoas do colégio nesses momentos não é nem um pouco bom... Deixei as garotas com quem eu fiquei naquele recreio e permaneci no pátio até que se esvaziasse por inteiro. Fui em direção ao portão lateral, mas estava fechado. Muitas pessoas passavam por ali, então tive que sentar e esperar. Assim que o movimento cessou pulei o portão sem medo da queda ou dos machucados que poderiam acontecer. Sorte de não ter ninguém olhando do outro lado. Ao passar pela guarita o guarda não perguntou nada, meus olhos se encheram de água. Eu não pude conter a infinidade de lágrimas que minha alma derramava.
            Eu caminhava com o olhar em pranto e o coração disparado, mas de cabeça erguida. Caminhei até chegar ao trem. Comprei uma passagem e fui. Meu destino era Porto Alegre. Ao entrar no trem o desespero bateu. Aquela realmente era a coisa certa a ser feita? E se acontecesse alguma coisa? Agora já não dava mais tempo, a porta já tinha se fechado. Sentei no chão e chorei de cabeça baixa durante duas estações. Ao chegar na Anchieta, um garoto entrou, e sem que eu percebesse sentou ao meu lado e começou a puxar assunto.
            - Oi!
            O garoto disse aquilo com um grande sorriso no rosto. Quando eu levantei a cabeça, olhei diretamente em seus olhos – eles eram verdes. Aquele foi um grande impacto. Realmente parecia que eu o conhecia, mas só não sabia de onde.
            - Por que uma garota tão linda estaria chorando sentada no chão do trem? Bem, isso eu não sei explicar.
            De alguma forma ele fez com que eu sorrisse. E mesmo que eu não dissesse uma única palavra ele continuou:
            - Pra onde tu tá indo?
            - Nem eu sei!
            - Eu sei... Tu tá indo te encontrar. Mas tu só não sabe que o único jeito de te encontrar verdadeiramente é olhando pra dentro de ti...
            - Cala a boca!
            Ele riu. E ao mesmo tempo fez com que eu risse. Nós dois rimos juntos durantes alguns poucos segundos. E esse foi nosso primeiro contato. Único e inesquecível.
            - Isso sempre ajuda minhas amigas quando elas estão chorando, e elas sempre dizem “obrigada”, e não “cala a boca”. Mas tudo bem, vejo que você é... diferente dos outros .
            - Até demais.
             - Mas me diz, pra onde tu tá indo?
            - Vou até o fim da linha.
            - Hum... Eu vou até a estação Farrapos. Mas nós já estamos chegando no Aeroporto. Qual seu nome, lindinha?
            - Helena.
            - Meu nome é Allan!
            - Allan?
           
            Allan? Como assim, Allan? Não podia ser. Alias, podia sim. Eu sabia que era ele no momento que eu olhei em sua direção. Os mesmos olhos verdes, o mesmo cabelo castanho, e a mesma simpatia... Sim, era ele. E aquilo me fez muito feliz! Mas como isso era possível? Allan era apenas uma personagem, que eu havia criado... Ele não podia ser real! O sinal do trem soou. Já estávamos na estação Aeroporto. Allan estava do meu lado e eu não podia impedi-lo de partir. Mas não custava nada tentar...
            - Allan... Eu sei que é estranho eu tá te pedindo uma coisa dessas, mas fica comigo?
            - Ãããããã!!! Como assim?
            - Tô te pedindo pra não descer do trem e ir pra casa. Eu preciso muito conversar contigo, só mais um pouco... Por favor.
            Sua cara de apavorado era algo. Mas ele ficou e isso me impressionava muito. Ele não desceu do trem. Aquele foi o momento mais emocionante. Conversamos muito durantes aqueles minutos que passavam voando. Contei tudo pra ele – tirando o fato que ele era a minha personagem, é claro! Chegamos na estação Mercado, e meu coração disparou. Eu, que era tão decidida, me vi perdida e não sabia mais o que fazer... Foi aí que tomei iniciativa:
            - Allan... Olha, eu sei que tu só me conheceu agora e que é absolutamente ANORMAL uma pessoa que tu nem conhece ficar desabafando... Eu sei que não é certo te pedir isso, mas eu preciso de um favor.
            - Claro, meu amor...
            De alguma maneira ele já me amava e isso era extremante visível em seus olhos. Parecia que nós já nos conhecíamos há anos e ele demonstrou um profundo carinho por mim.
            - Não me deixa sozinha... Eu preciso de ti.
            - Nossa! Confesso que isso me assunta. Mas eu não entendo, por que eu te deixaria sozinha? Eu tô aqui contigo, tá bom?
            Ele me tomou em seus braços e num gesto de carinho, me abraçou. Aquele foi o melhor abraço de toda a minha vida. Allan Frontieri era real e estava ao meu lado! De alguma maneira era muito estranho, mas me acostumei.
            - Vem comigo – eu disse.
            - Como assim? Tu sabe pra onde tu tá indo?
            - Não.
            - Então nem desce do trem.
            - Por quê?
            - Já que nós temos muito que conversar, e eu sei disso, vamos pra minha casa, lá a gente conversa melhor e daí tu me conta tudo...
            A estação Farrapos chegou muito rápido. Chegamos na frente do prédio em que ele morava.
            - É aqui.
            O condomínio era completamente igual ao que eu tinha imaginado. Tudo era igualzinho. O que parecia impossível pra mim, tinha se tornado realidade. Eu sabia que contos de fadas eram reais! Entramos no apartamento. Conversamos, e como conversamos, e como sempre, ele foi muito educado comigo. Mas eu não achava justo guardar aquele segredo pra mim... Allan precisava sabe.
            - Ei!
            - Oi!?
            - Acho que eu preciso te contar uma coisa. É mais ou menos um segredo!
            - O que foi?
            - Allan, promete pra mim que quando eu te contar tu não vai ficar assustado e nem vai achar que eu sou doida? Mas tem que prometer mesmo. Isso é muito importante pra mim.
            - Tá, eu prometo. Mas fala logo, tá me deixando preocupado!
            - É o seguinte. Há alguns meses eu comecei a fazer produções de texto, era tipo um livro que eu tava montando com meu pai. O primeiro texto se chamava “A Autora”, e o segundo “A Personagem”. Depois do segundo texto a minha vida mudou muito, essa foi uma das razões pra eu ter fugido...
            Abaixei a cabeça e fiquei em silêncio. Ele me escutava pacientemente, cada detalhe era muito importante pra nós.
            - Continua...
            Algumas lágrimas percorrem minha face. Nós estávamos na sala, sentados no sofá, foi quando eu vi que ele estava, delicadamente, limpando meu rosto. E com olhar mais meigo e doce ele me acalmou.
            - Meu amor... Não chora! Eu tô aqui. Agora calma, respira e continua o que tu tava me falando.
             - O problema é que essa personagem é você!
            - Como assim?
            - Quer ver. Eu não te conhecia, mas mesmo assim eu sei tudo sobre a tua vida. Sei que tu é extremamente responsável, que cuida da casa, que odiava teu pai mais do que qualquer coisa e hoje tem um carinho enorme por ele, sei que na fazenda do teu pai tu conheceu a Priscilla e que ela se tornou tua melhor amiga, sei o quanto tu quer ser diretor de filmes, e sei que teu primeiro roteiro já tá pronto e que é muito bom...  Me desculpa, mas de tanto te conhecer acabei me apaixonando de verdade. Não era pra acontecer isso, eu juro.
            - Eu te entendo, e sei o que tu tá passando. Sei que pode ser loucura, mas de algum jeito eu confio em ti. Tem uma coisa que tu não sabe de mim. Não sabe quem eu amo e não sabe que eu também criei uma personagem. Imperfeita, mas perfeita pra mim. Cheia de erros e acertos. Altos e baixo. Apaixonada por Elvis Presley. Decidida, 1,53cm de altura, linda, inteligente – mas não um gênio – diferente dos outros, querida...
            - Impossível.
            - Não, impossível não!
            - Quer dizer que...
            - Exatamente! Eu, Allan Frontieri, sem te conhecer, sentei ao teu lado no trem porque eu sabia que tu era a minha Helena Rial. A garota que criei na minha mente e coloquei em um papel, que não me deixou dormir durante muitas noites. A menina perfeita pra mim. Com ideais como os meus. E que, sem existir até o momento, fez com que eu me apaixonasse. Eu te amei mesmo tu sendo só uma personagem, e isso me machucou muito. Mas agora é impossível eu te perder. Tu é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida.
            Allan Frontieri era a minha personagem, e eu a sua. Ele era real. Eu era real.
            O que era para ser apenas um conto, tornou-se um romance, que a partir daquele momento começou a ser escrito por nós dois.


                                                           F I M

2 comentários:

  1. PUTS!!!!
    MUITOOOOO LINDOOO...
    AMEII.......
    É UM DOS TEXTOS MAIS BONITOS QUE JÁ LI.

    PARABÉNS HELENA!!!

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  2. Muito lindo!!!
    Só podia ser vc escrever este lindo texto...
    Bjs Dany Toigo...

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