quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Mais Quem Um Conto - Capítulo I: Um Conto de Amor


MAIS QUE UM CONTO

CAPÍTULO I - UM CONTO DE AMOR
         Parecia apenas mais um dia comum. Desses que nada prometem, como tantos outros que já vivemos, sem maiores pretensões ou expectativas. Desses em que desperdiçamos o presente, deixando para depois o que jamais poderá ser resgatado.
         De fato quando o tédio já enraizado preparava-se para florescer, apresentando-se em um melancólico desabrochar, do qual uma única e perfeita flor de profunda depressão nasceria, você surgiu.
         Há muito tempo não alimentava nenhum tipo de sentimento em relação às pessoas que de alguma forma de mim se aproximaram. Já conhecia o ritual, sabia exatamente o que aconteceria, podia antecipar cada lance do nosso breve envolvimento, que ao final me traria ainda maior sofrimento.
Entretanto, quando você atravessou a porta pude sentir que algo maior estava para acontecer.


Sempre sonhei com o sucesso!
Ainda jovem, imaginava como seria percorrer o mundo, falar em diversos idiomas, ser reconhecido e amado por onde quer que passasse. Acreditava que a felicidade estaria associada ao reconhecimento e, portanto, mais do que tudo eu precisava “dar certo”.
Infelizmente a realidade me reservou outra sorte...

-        Em que posso ajudar?
-        Se precisar de algo, lhe aviso.
Oswaldo era dono do mais antigo “sebo” da cidade. Apaixonado por livros, possuía um acervo magnífico. Orgulhava-se de uma seção da loja, a qual denominara de “Invendáveis”. Livros raros que podiam ser apreciados, lidos, mas não comprados.
Eu estava na seção das ofertas. Uma grande mistura de um tudo. Alguns, certamente jamais seriam adquiridos por alguém, mas enfim continuavam ali, já perdidos em si pelo próprio tempo que os corroera. Quantos ensinamentos ultrapassados, quantas histórias perdidas por entre tantas, que assim como a minha, talvez a ninguém mais interessasse.
Notei que você percorria as seções sem um objetivo definido. Parecia estar com os pensamentos distantes e eventualmente folheava um ou outro exemplar sem maior comprometimento.

-        Você procura algo em específico? Era o Sr. Oswaldo.
-        Na verdade não.
-        Fique a vontade, se precisar de ajuda...
-        Eu chamo.

Oswaldo se retirou, e você, com o olhar que revelava poucas expectativas, prosseguiu impassível até chegar a minha seção.
Eu sentia algo que até então nunca sentira. Estava confiante, eufórico, aflito, angustiado... E à medida que você se aproximava a intensidade de minhas emoções convergiam para um inevitável colapso. Eu precisava me controlar, retomar a direção de mim mesmo. Alguns passos eram tudo o que nos separava. Mas apesar da pequena distância, a imensidão da incerteza se apresentava como um abismo intransponível, pois mesmo tão próximos, a possibilidade de não nos encontrarmos era a mais provável.
No dia em que nasci, meu pai, cheio de orgulho, tomou-me em suas mãos e após um longo silêncio, emocionado chorou.
Em seguida, falou de suas aspirações para comigo, o primogênito, disse o quanto representava na sua vida e o quanto certamente lhe faria feliz. Tinha convicção de meu brilhante futuro.
Os poucos amigos que compareceram para a minha “apresentação oficial”, entusiasmados pelas palavras e pelos drinks oferecidos por meu pai, aplaudiram euforicamente, cumprimentaram-no por mim e compartilharam de seus sonhos – eu estava predestinado a ser um sucesso.


Me perdoe, mas já vamos fechar.
Era o inconveniente do seu Oswaldo.
-        Tudo bem, eu volto outra hora.

Antes que eu pudesse esboçar qualquer reação capaz de interferir no que estava acontecendo, você afastou-se de mim sem nem ao menos ter me notado.
“Predestinado ao sucesso”, que grande porcaria!
Após tantos anos, quando penso que minha sorte vai mudar, vejo tudo continuar na mesmice. “Obrigado seu Oswaldo.”

A porta fechou-se. Vi você sumir por entre outras tantas apressadas pessoas que pela rua circulavam. Talvez você voltasse, talvez não. Restava-me fazer o que sempre fiz, esperar.

Seu Oswaldo apagou as luzes, nos despedimos de mais um dia como tantos outros.
Lembro-me de tantas e tantas vezes que saímos juntos.
Meu pai me apresentou para muitas pessoas importantes. Falava do meu potencial com uma empolgação comovente. Na verdade eu não entendia bem toda aquela conversa, mas me divertia muito naquele carrossel que mesmo não saindo do lugar era capaz de me levar tão longe.
Certa vez, um homem disse a meu pai que eu jamais faria sucesso, que ele tirasse essa idéia da cabeça, que partisse para outra...
Sem dizer uma palavra, meu pai levantou da cadeira, pegou-me à mão, dirigiu-se até a porta e, antes de fechá-la por detrás de si, voltou-se, olhou para o homem, para mim, novamente para o homem e disse “quando ele for famoso você vai lamentar esse dia”.
Nunca mais vi aquele homem.



-        Bom dia Sr. Oswaldo.
Como todas as manhãs, chegou pontualmente às 8h. Acendeu as luzes pendurou seu casaco, seu chapéu e um guarda-chuva antigo que sempre carregava consigo onde quer que fosse. Ajeitou alguns papéis, guardou-os em uma pasta, rasgou outros tantos, depositou-os na lixeira de madeira que há muitos anos conquistara seu espaço embaixo do balcão, à direita da máquina registradora, adquirida por seu pai na ocasião da inauguração da loja, limpou os pesados óculos para então, e finalmente, degustar o jornal como sempre fazia.
Enfim mais um dia que prometia ser como outro qualquer.



1966.
Esse foi o ano em que nasci.
Era um dia...

-        Bom dia.
-      Olá! Como vai? Por favor, fique a vontade. Prometo-lhe que não fecharemos até que você encontre algo que deseja.

         Ao ouvir sua voz, paralisei. Fiquei confuso, sem saber exatamente o que fazer. Percebi que ela se dirigia até a minha seção – aquela das ofertas. Estava mais encantadora do que nunca – que bobagem, por que ela haveria de me notar? Eu, um fracassado, condenado a viver nessa maldita loja, e o que é pior, na humilhante seção das ofertas.
         Foi nesse momento, em que o pessimismo deteriorava ainda mais a minha condição existencial, que ela parou diante de mim. Seus olhos agora estavam úmidos, apresentavam um brilho intenso, vivo, apaixonante... Ela sorriu. Será que sorriu pra mim?
         Sem dizer nenhuma palavra tomou-me em suas mãos, e após alguns instantes de admiração mútua, apertou-me contra seu peito e depois, suavemente, me beijou e disse “finalmente nos encontramos”.







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