quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Mais Que Um Conto - Capítulo II: Além de Um Conto de Amor


Mais Quem Um Conto
Cápítulo II - Além de Um Conto de Amor

         Deitada em minha cama ouço um barulho. É o relógio que mais uma vez me acorda pontualmente às 6 horas e alguns minutos. Há muito tempo moro em Porto Alegre, mas já se passaram quatro anos desde a última vez que entrei em meu apartamento. Meu nome não importa e minha idade é irrelevante.
        
         Trabalho em uma revista como escritora no turno da manhã e durante a tarde eu costumo visitar alguns lugares, sou apaixonada por livros o que me leva a passar quase todo tempo livre em livrarias, bibliotecas e nos maravilhosos sebos. Escrevo sobre a vida no Brasil, por isso estou sempre viajando. Não digo que é ruim, mas também não é a melhor coisa do mundo, afinal isso só atrapalha o meu sonho de ter filhos e construir uma família... Como escritora meu dever é pesquisar e escrever. Há muitos anos procuro algo que perdi por causa de um desvio da minha vida. Estar afastada dele é muito difícil, mas eu nunca deixei de procurá-lo.


         Nos conhecemos no dia do meu 14° aniversário. Ele foi o melhor presente que eu poderia receber. Meu pai nos apresentou e me apaixonei no instante em que o vi. Passávamos horas e horas abraçados. Lembro-me das vezes que saímos juntos. Quando completei 16 anos ele me fez chorar pela primeira vez. Nós estávamos de mudança, meus pais haviam se divorciado. Arrumei minhas coisas e fui embora com minha mãe, mas ele ficou para trás...


         Depois de quatro anos afastada de minha cidade, foi muito bom acordar em Porto Alegre. Era um dia ameno e um casaco leve seria suficiente para me proteger da suave brisa que soprava pelas ruas.

         Nada melhor do que o chocolate quente do Bar da Esquina para começar um bom dia. Seu Chico – o dono do bar – era um tanto quanto esquisito, mas fazia o melhor chocolate quente da cidade. Olhei para a rua através da janela e algumas lembranças fizeram-se presente em meu pensamento. Ah! Que saudade que eu estava dessa cidade... Naquele breve instante o telefone tocou, era meu chefe que me trazia uma boa notícia: Eu teria um dia de folga!  Desliguei o telefone e uma dúvida surgiu: E agora, o que fazer? A decisão foi tomada: Hoje é um dia de comemoração. É minha volta a Porto Alegre, então nada melhor do que compras – acho que estou precisando renovar o guarda-roupa!

         Fim do dia – e eu estava exausta. Voltava pra casa por uma rua diferente, não é meu costume fazer isso, mas sem perceber mudei de caminho. O relógio marcava 18h e 32min no exato momento em que fixei meus olhos em um antigo sebo. Era muito estranho... Como eu nunca o tinha visto? Não resisti à tentação e acabei entrando.
         Coloquei as sacolas no chão. Tirei o casaco o deixei em cima do balcão da loja. Olhei de um lado para o outro e não vi ninguém. Comecei olhando alguns volumes que estavam no setor de lançamentos.

         - Em que posso ajudar?

         - Se precisar de algo, lhe aviso.

         Eu percorria as seções sem um objetivo definido. Meus pensamentos eram todos voltados para ele, o que me fazia eventualmente folhear um ou outro exemplar sem maior compromisso.

         - Você procura algo em específico?

         - Na verdade não.

         No começo, logo que iniciei a minha busca, eu simplesmente entrava na loja e dizia o nome do livro ao vendedor, na esperança de que ele o conhecesse e me entregasse o que procurava. Com o tempo percebi que não bastava fazer isso, mas que era preciso olhar prateleira por prateleira, caixa por caixa, livro por livro. Era preciso ter certeza que ele não estava lá. Só depois de vasculhar toda a loja eu perguntaria por ele. Por isso, não dizer o que procurava me deixava mais à vontade para por em prática meu particular método de busca.
         A decepção é grande quando você procura por algo e não encontra.
         Em todos os sebos que entrei deixei meu telefone, falei que independente do preço eu pagaria, que estava disposta a qualquer coisa... Mas até hoje nunca recebi nenhuma resposta que fosse.
  
         - Fique a vontade, se precisar de ajuda...

         - Eu chamo.

Ele se retirou, e eu, com o olhar que revelava poucas expectativas, prossegui impassível até chegar à seção mais simples, a das ofertas.  Uma pequena distância me separava daquele departamento, senti algo diferente, mas a possibilidade de não encontrá-lo era a mais provável. O dono da loja me interrompeu mais uma vez...



- Me perdoe, mas já vamos fechar.

- Tudo bem, eu volto outra hora.
Mais uma manhã em que o relógio desperta em seu mesmo horário rotineiro. Tomei apenas uma xícara de café com leite, me arrumei e fui para o trabalho. Ao chegar na parada de ônibus descobri que ele havia passado a cinco minutos e o próximo só chegaria dali a quarenta. Resolvi pegar um táxi na avenida ao lado, mas para isso era preciso passar em frente aquele sebo até ontem desconhecido. Eu já tinha perdido o ônibus, uns minutos a mais ou a menos não me faria diferença e também eu iria de táxi e isso seria bem mais rápido.
Da esquina pude ver que a loja estava recém sendo aberta. Caminhei mais um pouco até que entrei no sebo. A primeira coisa que vi foi o mesmo homem do dia anterior sentado saboreando um bom jornal. Enfim, mais um dia e com ele mais uma busca que poderia não dar certo.

- Bom dia.

         - Olá! Como vai? Por favor, fique a vontade. Prometo-lhe que não fecharemos até que você encontre algo que deseja.

             Naquele instante me dirigi à seção das ofertas. Minha esperança de encontrar o que procurava já se esgotara há muito tempo – essa seria a última vez que eu entraria em um sebo.
             Então, parada em frente aos livros da promoção sentia que meus olhos agora estavam úmidos e que um sorriso aberto, repleto de saudade e emoção tomou conta de meus lábios.
         Sem dizer nenhuma palavra, peguei-o em minhas mãos, e após alguns instantes de admiração mútua, com um abraço o envolvi, suavemente o beijei e disse “finalmente nos encontramos”.

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